O jurista Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa durante a segunda gestão Lula, enxerga grandes dificuldades do governo em conquistar maioria no Congresso para aprovar pautas relevantes, como o arcabouço fiscal. Segundo o jurista, Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, está desconfortável na função de articulador político, o que geraria maior resistência na obtenção de apoio aos interesses do governo.
“Padilha tem habilidade para a articulação, mas sinto que há desconforto na condução - o que contamina a Câmara e gera reações do tipo: o que ganho com isso?”, disse Jobim durante reunião do Conselho Político e Social (Cops), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), nesta terça-feira, 9/05.
O governo sofreu derrotas pesadas nos últimos dias. Na última quarta-feira (3/5), a Câmara derrubou mudanças promovidas pela atual gestão no Marco do Saneamento. Paralelamente, o governo não conseguiu apoio para barrar a CPI do MST, que colocará a gestão Lula como alvo principal, e o PL das Fake News, que é de interesse dos governistas, foi adiado.
Para o ex-ministro da Defesa, as dificuldades do governo não são apenas consequência de problemas na articulação, mas também do que chama de disfuncionalidades da política. “A presença mais efetiva do Congresso no orçamento atomizou a política pela necessidade de atender pautas individuais”, disse.
Detalhando esse raciocínio, Jobim se referiu a mudanças em uma dinâmica que sempre funcionou na Câmara, onde os líderes partidários eram os responsáveis por levar demandas ao presidente da casa, que então negociava com o governo vigente. Nos últimos anos, porém, esse mecanismo mudou, sendo que cada parlamentar passou, individualmente, a levar suas demandas específicas ao governo.
“Temos disfuncionalidade dentro do Parlamento porque os deputados passaram a ter acesso mais fácil ao governo, e gostaram disso. É algo que começou com Severino Cavalcanti [presidente da Câmara em 2005], e que abriu espaço para as emendas do relator”, disse.
A dificuldade do governo em encontrar interlocutores no Congresso, segundo o jurista, estimula disfuncionalidades também no Executivo, que tenta emplacar propostas sem a garantia de que serão abraçadas pelos parlamentares.
“Veja os decretos do saneamento. É possível fazer um decreto sem conversar antes? Foi recusado, e agora decidiram mandar outra vez quebrado em dois. Essa é uma disfuncionalidade que pode decorrer também pelo fato de o PT não ter anunciado um programa de governo”, afirmou Jobim.
Há ainda, na visão do jurista, uma percepção equivocada do governo de que a vitória nas eleições de 2022 permitiria atrair automaticamente apoio à sua base, o que não ocorreu. “Houve uma euforia injustificada pelo resultado das eleições. Foi uma eleição disputada”, comentou.
“Lula ganhou exclusivamente com o Nordeste. Não teve polarização, o que houve foi uma eleição que mostrou duas realidades brasileiras, uma que precisa do Estado e outra que não quer saber do Estado interferindo. Não é esquerda ou direita, é necessidade ou não da maior presença do Estado”, afirmou o jurista.
A Câmara dos Deputados espelha o que Jobim expôs. Por lá, há um bloco alinhado com Arthur Lira, presidente da casa, com 173 deputados que não votam necessariamente com o governo. Há outro bloco de centro, com 143 deputados que também não estão totalmente alinhados ao governo. Tem ainda o PL, com seus 99 deputados, que são oposição, assim como o Novo, com seus três parlamentares.
O apoio garantido ao governo se resume a 81 deputados da federação de esquerda, que tem PT, PCdoB e PV, e com algumas divergências envolve os 14 parlamentares da federação Psol e Rede.
O grande teste do governo será a aprovação do arcabouço fiscal, cuja urgência será votada dia 16. A aprovação do texto mostrará se de fato o governo tem base no Congresso, mas também permitirá à gestão Lula ampliar gastos com programas sociais e investimentos, suas bandeiras, além de dar ao Banco Central uma boa sinalização para a redução dos juros.
Diante do quadro desenhado até agora, Jobim prevê dificuldades para o governo chegar a esses objetivos.
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