Artigo publicado no O Estado de S. Paulo
Por Roberto Macedo e Wilson Victorio Rodrigues
Cabe esclarecer que os autores são mantenedores de ensino. Fundamos e dirigimos uma instituição privada de ensino superior com ótimos conceitos atribuídos pelo Ministério da Educação (MEC)/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Somos educadores e nossas atenções voltam-se para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil, marcado por severas desigualdades sociais e que só encontrará melhor destino por meio de um projeto nacional de educação de qualidade, em sintonia, também, com as exigências de um mundo cada vez mais tecnológico e competitivo.
Também vale lembrar a louvável disposição do Ministério da Educação em realizar um verdadeiro “freio de arrumação” em nosso sistema educacional. O último Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) verificou que 33,7% dos cursos de ensino a distância (EAD) obtiveram conceitos 1 e 2 (insatisfatórios), contra 28,2% dos cursos presenciais. A diferença é pequena entre as modalidades e o desempenho de ambas precisa ser melhorado. Mas também é importante consignar que o desafio das universidades é igualmente árduo, já que: (1) 80% dos jovens entre 18 e 24 anos não conseguem acessar essa etapa educacional, segundo o último Censo Educacional, e isso se deve, principalmente, à renda baixa e premência do trabalho. Isso requer oferta de ensino superior financeiramente acessível e adaptável diante das limitações horárias dos estudantes. (2) As universidades herdam do ensino básico, em especial da rede pública de ensino, alunos extremamente mal formados. Não por outra razão, o Brasil vem amargando posições vergonhosas nas principais avaliações internacionais de educação básica, a exemplo do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa)(entre 81 países avaliados em 2022, o Brasil ocupa a 65.ª posição no teste de matemática, 52.ª em leitura e 62.ª em ciências). Isso requer uma política pedagógica de nivelamento dos alunos ingressantes no ensino superior, com aulas de português e matemática básica logo no início do curso. (3) O Brasil tem dimensões continentais, com 5.565 municípios e dificuldades regionais complexas. O ensino superior, portanto, para ter bem mais alunos, precisa de extensa capilaridade geográfica. (4) Considerados os péssimos resultados educacionais do País, o mundo passa por um competitivo processo de transformação no campo do trabalho, com diversas novas habilidades profissionais exigidas, com ênfase nas digitais. O ensino superior precisa transmitir conteúdos das mais diversas áreas do conhecimento acoplados ao desenvolvimento de competências digitais. E (5) segundo a pesquisa Digital 2023: Global Overview Report, da DataReportal, considerando 45 nações, os brasileiros passam em média 56% do dia em frente às telas de smartphones e computadores, e somos o segundo país com mais pessoas à frente de uma tela, o que reforça que a digitalização da vida é um fato inexorável.
Todos os itens acima elencados convergem para um cenário que o MEC já identificou: segundo o último Censo Educacional, 72% dos calouros do ensino superior estão matriculados em cursos na modalidade EAD, com um crescimento de 700% (!) em dez anos. E isso ocorre por uma razão óbvia: o EAD é o formato de ensino capaz de atender aos desafios acima mencionados. Ele consegue ser mais acessível financeiramente, adaptável diante das limitações horárias dos alunos, abrangente diante da extensão geográfica nacional e se integra ao modus vivendi do ser humano do século 21, que passa grande parte de seu cotidiano diante de telas de smartphones e computadores.
Falta, no entanto, tratarmos do principal desafio: a qualidade do ensino. Aí está a mola mestra para que o EAD realmente se torne uma solução inconteste para todos os itens supra-apresentados. A oferta de um EAD de qualidade é possível, mas infelizmente o arcabouço regulatório do MEC exagera na análise de questões pouco úteis e deixa de examinar com profundidade o que deveria ser a principal preocupação: a qualidade dos conteúdos curriculares. Não basta examinar a matriz curricular. É preciso examinar os conteúdos! Aliás, o EAD, justamente pelas suas aulas gravadas, pode se tornar um enorme aliado do MEC na aferição de qualidade, diferentemente do ensino presencial, cuja aferição é mais difícil.
Ainda que a regulação seja pouco inteligente, há universidades fazendo um excelente trabalho no EAD. E é nesse contexto que a Portaria 528 do MEC, que suspende novos cursos, vagas e polos EAD até março de 2025, comete uma brutal injustiça justamente com essas instituições. A expansão desse trabalho de qualidade deveria ser estimulada, e não barrada. Por isso, esperamos que a portaria seja revista no sentido de estimular as instituições bem-conceituadas no EAD. No mais, é realmente necessário que o MEC atualize a regulação do ensino superior, tendo o EAD como aliado para a superação dos graves problemas apresentados.
- Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard) e consultor econômico e de ensino superior
- Wilson Victorio Rodrigues é membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e diretor da Faculdade do Comércio, ligada à Rede de Associações Comerciais.
Fonte:
https://www.estadao.com.br/opiniao/roberto-macedo/carta-aberta-ao-ministro-da-educacao/