Do Diário do Comércio
O uso da mediação nos conflitos entre empresas em dificuldades financeiras e credores vem ganhando força desde o advento da Lei 14.112/20, que reformou a antiga Lei de Falência e Recuperação de Empresas.
Atenta a essa tendência, a Cemaac (Câmara de Mediação e Arbitragem da Rede de Associações Comerciais) vai lançar um regulamento específico voltado para a mediação em recuperação de empresas e divulgar uma lista de mediadores especializados para atuarem nesses casos.
Para o diretor técnico da Câmara, Guilherme Giussani, o novo serviço é particularmente importante para as pequenas e médias empresas. “Elas vão dispor de uma ferramenta capaz de “suavizar” um eventual processo de recuperação judicial de forma mais célere, com segurança jurídica e maior proteção ao negócio”, diz.
Antes mesmo do lançamento do novo regulamento, a Cemaac já administrou duas mediações em recuperação judicial. Um dos casos envolve uma empresa do ramo de e-commerce de aparelhos celulares. O outro se refere a uma empresa que atua na área de investimento imobiliário. Os valores das disputas são, respectivamente, de R$ 40,5 milhões e R$ 2,4 milhões.
“A mediação é um procedimento versátil, um método de negociação assistida capaz de identificar os pontos divergentes, aprimorar a comunicação entre as partes envolvidas no conflito e evitar que a disputa se transforme em um processo judicial”, resume Caio Cesar Infantini, advogado e mediador pelo Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos (ICFML), com experiência na mediação em recuperação de empresas e falências.
Casos emblemáticos
Antes prevista apenas em jurisprudência, enunciados e recomendações, a mediação na recuperação judicial ganhou terreno depois da reforma da Lei 11.101/2005.
O procedimento pode ser proposto antes do pedido de recuperação judicial e durante o processo, sendo admitido em casos de disputas entre os sócios e acionistas de empresas em dificuldade ou em recuperação judicial, bem como nos litígios que envolverem credores não sujeitos à recuperação judicial.
Grupo OI - A recuperação judicial do Grupo Oi, que conta com mais de 55 mil credores e um passivo de cerca de R$ 64 bilhões, foi uma das primeiras vezes em que a mediação foi usada no curso de um processo de recuperação judicial como modalidade adequada para resolução de conflitos.
Foram instauradas mediações entre as recuperandas e credores estratégicos, acionistas e até mesmo a agência reguladora do sistema de telefonia, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), imprescindível para a aprovação do plano de recuperação judicial.
Saraiva - O processo de recuperação judicial da Livraria Saraiva também é emblemático, já que o juiz da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do TJSP estabeleceu o início de um procedimento de mediação preventiva, sendo a primeira fase até a apresentação do plano de recuperação judicial e a segunda fase até a Assembleia Geral de Credores.
Com isso, foi possível ajustar o plano de recuperação judicial antes da sua deliberação em assembleia, acolhendo os interesses de credores, sem deixar de avaliar a realidade financeira da empresa. “Uma curiosidade é que, no plano de recuperação da Saraiva, há uma cláusula prevendo o uso da mediação para solucionar questões envolvendo a execução do plano”, lembra Infantini.
Gtex - Recentemente, chamou a atenção o desfecho de uma mediação realizada durante o processo de recuperação envolvendo o Grupo Gtex, de produtos de limpeza. Uma sentença da Justiça de São Paulo permitiu a conversão da recuperação judicial em extrajudicial, que é menos custosa e mais rápida, graças a um procedimento de mediação.
Com uma dívida estimada em R$ 345 milhões, o grupo pediu a recuperação judicial em outubro de 2024. A decisão que homologou o pedido deixou em aberto a possibilidade de partes levarem a disputa para a mediação. Depois de conseguir o apoio de mais da metade dos credores, a Gtex pediu a conversão e teve o pleito atendido.
Mil e uma utilidades
Caio Infantini ressalta que o uso da mediação é abrangente no ambiente empresarial e eficaz na prevenção de problemas financeiros que, caso não sejam atacados com antecedência, podem levar a uma recuperação judicial. “A mediação é um processo de tomada de decisão, de forma estruturada, organizada”, explica.
É possível, por exemplo, prever o uso da mediação no acordo de sócios e estabelecer faixas de valores relacionadas a prejuízos que podem comprometer o futuro do negócio a partir do qual poderá ser chamado um mediador para ajudar a contornar o problema.
“Na chamada mediação organizacional, mediadores podem ser chamados para observarem, identificarem e atacarem os gargalos internos de uma empresa, relacionados, por exemplo, às relações interpessoais, falta de comunicação e impasses entre os departamentos”, conclui.
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