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Percurso e acidente do trabalho

Notícias 02 de dezembro de 2019

Por Alexandre Santos Toledo - Diretor Jurídico da ACE Batatais

A saúde e a segurança do trabalhador devem estar entre as prioridades da empresa. Com efeito, no Brasil ocorrem quase meio milhão de acidentes de trabalho por ano. De acordo com o Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho, elaborado pelo Ministério da Previdência Social, em 2017 foram 549.405 de acidentes desta natureza.

O acidente de trabalho é o tipo de evento que só traz prejuízo: o empregado que se acidenta é, sem dúvida, o maior prejudicado, sujeito à morte e à incapacidade, não raras vezes precariamente atendido pelo serviço de saúde e pela previdência social; a empresa perde força de trabalho e pode ter que indenizar o empregado e a previdência social se for responsável pelo acidente; e, finalmente, a sociedade têm o ônus de prestar o serviço de saúde e de pagar benefícios previdenciários.

Dentre as muitas modalidades de acidente de trabalho, sempre me chamou atenção o acidente de trajeto ou de percurso, caracterizado pelo acidente que ocorre no “no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado” (Lei nº 8.213/1991, art. 21, inc. IV, “d”). São importantes na consolidação do número de acidentes do trabalho. Em 2017, segundo o Anuário da previdência social, totalizaram 100.685, casos, ou seja, pouco menos de um quinto do total de acidentes do trabalho. 

O acidente de trajeto é uma modalidade anômala à relação de emprego, pois, não obstante o deslocamento ser realizado em razão do trabalho ele acontece num ambiente e sob circunstâncias totalmente alheias ao empregador e sujeitas a eventos que o empregador não pode controlar para prevenir o infortúnio (exceto se o empregador estiver transportando o empregado), decorrente da própria violência no trânsito. Há quem justifique esta modalidade de acidente num dever geral de responsabilidade da empresa pelo empregado, uma vez que o deslocamento ocorre para poder prestar o serviço e, portanto, estaria à disposição do empregado. Se for assim, também deve ser considerado acidente de trabalho o infortúnio doméstico do empregado enquanto ele se prepara para ir trabalhar.

A Reforma Trabalhista de 2017, positivada pela Lei nº 13.467/2017 muda este panorama, pois contém disposições que buscam restringir a disponibilidade do empregado em favor do empregador ao tempo em que executa apenas as atividades estritas do contrato de trabalho.

Não é por menos a modificação que a Lei 13.467 fez no art. 4º da CLT, dispondo que serviço efetivo é o tempo à disposição (aguardando ou executando ordens) e excluindo expressamente horas hipóteses, como o do empregado que se abriga na empresa em razão de eventos climáticos ou para participar de atividades de lazer.

Também reforça a mudança no paradigma da disponibilidade da revogação das disposições celetistas que integravam a hora in itinere à jornada de trabalho.

Aliás, a mesma disposição que suprimiu a hora in itinere também exclui o tempo de trajeto da jornada de trabalho, conforme nova redação do §3º do art. 58 da CLT: “O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.”

Associado a este fator, o Conselho Nacional da Previdência Social editou a Resolução 1.329/2017, excluindo os acidentes de trajeto do cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que as empresas recolhem junto com a contribuição previdenciárias.

Estas duas modificações legislativas animaram doutrinadores mais ousados a entender que o acidente de trajeto estava revogado tacitamente.

Particularmente, discordo este entendimento porque a norma previdenciária ? na qual se inclui a disciplina do acidente de trabalho ? compõe um microssistema próprio e, mesmo que tenha implicações trabalhistas ? é norma especial em relação à legislação do trabalho, de modo que não pode ser revogada tacitamente. Além disso, as normas aplicáveis à relação de trabalho se interpretam de modo favorável ao empregado, de modo que, em minha modesta opinião, o acidente de trajeto continuava em vigor.

Continuava até o último 11 de novembro, dia em que foi publicada a Medida Provisória nº 905 e, para não deixar dúvidas, revogou expressamente o art. 21, inc. IV, “d” da Lei nº 8.213/91.

Vale lembrar que medida provisória tem força de lei e, portanto, está em vigor.

Assim, se o empregado sofrer um acidente de trajeto, não será necessário emitir a CAT. O eventual afastamento do trabalho ocorrerá por força de auxílio doença e não mais por auxílio acidente. Também deixam de vigorar as regras sobre a estabilidade no emprego, especialmente aquela prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/1991.

Isso não quer significar que o empregado em gozo de auxílio doença pode ser demitido. Medidas desta natureza podem ser consideradas dispensa discriminatória, ensejando a reintegração do empregado e o pagamento de indenização. Mas a estabilidade de 12 meses após a convalescença já não existirá.

Por fim, é preciso ficar atento à MP 905. Já existem uma ação direta de inconstitucionalidade tramitando no STF e ela pode não ser aprovada pelo Congresso Nacional ou ter a vigência expirada.

Porém, enquanto nada disto acontece, acidente de trajeto não é mais acidente de trabalho no direito brasileiro.

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